terça-feira, 6 de outubro de 2009

JUVENTUDE E VIOLÊNCIA

Gilberto Velho*

O que pode haver de comum entre jovens brancos de elite mortos num acidente automobilístico e jovens negros mortos em combates entre facções criminosas ou em embates com a polícia? Obviamente, a resposta imediata é que são todos jovens, entendendo-se por isso uma faixa etária que varia, imprecisamente, entre 15 e 24 anos. No trágico acidente da Lagoa as idades das vítimas variavam entre 17 e 21 anos. Na espécie de guerra que se trava nos morros e periferias das grandes cidades brasileiras, especialmente no Rio de Janeiro há, freqüentemente, adolescentes ou mesmo o que estamos acostumados a classificar de crianças. Já é rotina o envolvimento de meninos de 12, 13 anos nas ações criminosas estando sujeitos, portanto, às balas perdidas ou direcionadas.
A busca de explicações de natureza bio-hormonal para caracterizar a juventude como irresponsável, pouco afeita à prudência e a cuidados, mesmo quando acrescidas de algumas tinturas sociológicas pouco nos consolam em relação a esse quadro de grande devastação. Os jovens brancos de classe média morrem em proporção bem menor do que os negros, pardos, mulatos ou nordestinos das camadas populares. Não há dúvida de que a desigualdade social e as precárias condições de vida nas favelas, e nos bairros pobres em geral explicam parcialmente esse quadro. Historicamente, os jovens, desde a Antiguidade mais remota, constituem a categoria de guerreiros e em várias ocasiões, as suas perdas foram tão grandes a ponto de ameaçarem a estabilidade da vida social, como na Segunda Guerra Púnica, em Roma, a Guerra Civil norte-americana e a Primeira Guerra Mundial, sobretudo, com seus efeitos sobre a elite britânica da época. Ou seja, a juventude, muitas vezes mas, nem sempre a mais pobre, serve de carne de canhão nos confrontos militares.
O fato de não estarmos vivendo uma guerra convencional não elimina os perigos a que estão submetidos os membros dessas faixas etárias. Há muitas explicações, mais ou menos interessantes, em que se misturam biologia, psicologia, sociologia para explicar esse estado de coisas. O que podemos constatar, tanto para os pobres quanto para os prósperos é a falência comum de mecanismos e processos de educação e socialização que incutissem padrões básicos de civilidade, autodisciplina e controle capazes de ajudar a enfrentar as dificuldades, frustrações e tentações da vida contemporânea. Sem querer colocar tudo no mesmo plano social, é inegável, por exemplo, que os desejos e aspirações de consumo, seja por um par de tênis, por uma arma, por drogas ou por um super carro, sem contar as pretensões erótico-amorosas, estão entre as causas principais de um descontrole que produz vítimas nas circunstâncias as mais variadas.
Não me parece produtivo simplesmente culpabilizar famílias e supostos responsáveis. Estamos lidando com um complexo sócio-cultural em que essas famílias de vários níveis sociais, as escolas, desde o fundamental até o universitário, as Igrejas, a religião em geral e, principalmente, o poder público apresentam desempenhos contraditórios e inadequados, expressando uma ausência de consenso mínimo em torno de valores e paradigmas. A falta de liderança, a desmoralização das elites, sobretudo as políticas, a impunidade generalizada e o desprezo por princípios e critérios éticos-sociais constituem o campo propício para a desvalorização da vida humana. À falta de sensibilidade social soma-se uma indiferença pelas condições de vida, riscos e destino dos outros, mais ou menos próximos.

*Antropólogo
PUBLICADO EM O GLOBO, 23/09/2006.

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