terça-feira, 9 de novembro de 2010

A violência depois das eleições


Gilberto Velho*


Terminamos o período das campanhas eleitorais. Muitas promessas foram feitas sobre os mais variados assuntos. Ambos os candidatos, no segundo turno, enfatizaram a necessidade de priorizar o combate à violência. Há mais de duas décadas os governantes e políticos em geral sempre falam que irão resolver a questão da insegurança pública avassaladora que tomou conta do país.


Há alguns dias atrás noticiou-se, com relativa discrição que uma cabeça decapitada foi arremessada numa avenida suburbana do Rio de Janeiro, durante um período de combate entre facções criminosas. Mais recentemente, noticiou-se que durante um assalto em Búzios o bandido, insatisfeito com o resultado de sua investida, enraivecido, decepou o dedo de uma criança. O que mais impressiona é como essas notícias são dadas, já sem grande alarde, pouca perplexidade e indignação. Parece que é natural numa sociedade, como a nossa, cabeças serem atiradas no meio de uma avenida e que crianças tenham seus dedos decepados por meliantes. O fato é que o noticiário sobre crueldades e violência dos mais variados tipos banalizou-se expressando, provavelmente, um estado de amortecimento, desânimo e conformismo da sociedade em geral diante desse cotidiano brutal e, imagina-se, sob qualquer ponto de vista, assustador. Será que perdemos a capacidade de nos assustarmos e, principalmente, de reagirmos? As declarações oficiais das autoridades são, quase sempre, neutras e burocráticas. Depois de ondas de assalto como as que ocorreram no Jardim Botânico recentemente e que ocorrem em todas as áreas da região metropolitana do Rio de Janeiro ouvimos que a polícia está sempre presente e que cumpre sua rotina de vigilância e cuidado. Outras vezes diz-se que são fatos isolados. Qualquer leitor de jornal, expectador de televisão ou ouvinte de rádio sabe diariamente de assassinatos, assaltos, seqüestros e ações particularmente brutais de que são vítimas pessoas de todos os meios sociais, além das testemunhas oculares. Nos últimos dias, um médico foi executado por bandidos e um juiz com seus familiares foram baleados por policiais em operação de “fiscalização”. Não é preciso voltar a repetir a grande quantidade de moradores de favelas, comunidades e conjuntos habitacionais que estão sujeitos às balas perdidas ou direcionadas nos confrontos entre bandidos de variados tipos, milicianos e as forças policiais.


Começa um novo governo no país. A presidente eleita, publicamente anuncia que saúde e segurança pública são prioridades suas. Há de se ressaltar que os problemas de educação estão longe de serem resolvidos e que juntos formam um conjunto responsável pelo clima de insegurança em que vivemos. Espera-se uma atitude mais firme e uma política mais efetiva e complexa por parte da nova equipe que dará continuidade ao governo anterior. É de se esperar que supere amplamente as realizações desse que termina e dos anteriores no que toca à ameaça permanente de todos os tipos de violência que tornam a sociedade brasileira uma das mais arriscadas e perigosas de se viver. É indiscutível que o governo federal, e isso parece ser um ponto de vista da presidente eleita, tenha a principal responsabilidade de liderar e coordenar o esforço pela paz e segurança pública.

*Antropólogo.


[Publicado em O Globo , 09 de novembro de 2010]

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