terça-feira, 6 de outubro de 2009

DE QUEM É A CULPA?

Gilberto Velho*

A violência e o medo sempre acompanharam a humanidade. Desde os tempos mais remotos as disputas e os conflitos, nas mais variadas sociedades e culturas, apresentavam potencial de irrupção de agressividade física. No Ocidente, Clistenes e Sólon ficaram como personagens fundadores da democracia ateniense através do estabelecimento de um espaço público em que as disputas entre linhagens e outros grupos de parentesco pudessem encontrar um locus de negociação que permitisse a continuidade e o fortalecimento da vida social. Entre outros objetivos, procurava-se controlar um sistema de represálias baseado na vingança que mantinha a sociedade permanentemente insegura e vulnerável. Desde então, na própria história de Atenas e da Grécia, a violência longe de desaparecer, reapresentou-se em vários momentos e situações, como na Guerra do Peloponeso e nas Guerras Pérsicas. Portanto, tratavam-se de conflitos internos e externos que colocavam o ideário de democracia permanentemente em cheque diante da alternativa dos tiranos e da dominação estrangeira. Ficou, no entanto, essa herança de que por mais difícil a tarefa era preciso tentar criar e manter contextos e situações em que através da lei fosse possível congregar cidadãos em busca da resolução de suas diferenças.
Não se trata, evidentemente, de percorrer toda a História, mas de assinalar algumas idéias fundamentais que sobreviveram a todos os tipos de opressão e abuso de poder. O que estamos procurando hoje no Brasil é, diante de uma crise sem precedentes, buscar caminhos e soluções que preservem o projeto de democracia associado ao restabelecimento de uma ordem pública que garanta os direitos mínimos de cidadania. Infelizmente, os políticos, representantes da polis, revelam-se, cada vez mais, incapazes de responsabilizar-se e assumir esse desafio. Mesmo diante da terrível conflagração em São Paulo nos últimos dois meses, ponto culminante de um processo que atinge todo o país, não há sinais de providências e articulações em torno de uma ação efetiva que junte política social e urgente reorganização do sistema de segurança pública. Pior ainda, multiplicam-se as evidências de corrupção e desonestidade na vida política brasileira, desmoralizando-a ainda mais.
Nunca é demais lembrar que cabe ao Governo Federal, por seus recursos legais, materiais e simbólicos, liderar e coordenar o enfrentamento dessa grande crise que vivemos. Efetivamente, o que está em jogo é a atuação e responsabilidade do Estado Nacional que tem sido há décadas incapaz de assumir esse desafio por razões as mais variadas, mas que passam, principalmente, por uma visão política oportunista e imediatista.
O atual Governo Federal foi eleito com um Plano Nacional de Segurança Pública que, embora sujeito a possíveis críticas, é uma referência fundamental. Urge ativá-lo envolvendo Executivo, Legislativo e Judiciário e o poder público estadual e municipal. O mínimo que se pode esperar nesse ano de eleições é que os diferentes candidatos e partidos assumam um compromisso sólido e confiável com a construção de um projeto sério e corajoso de busca de paz social, combatendo tanto a gritante desigualdade quanto a ameaçadora violência. Hoje não há como evitar o temor de desagregação da sociedade brasileira.

*Antropólogo
PUBLICADO EM O GLOBO, 24/07/2006.

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