terça-feira, 6 de outubro de 2009

PACTO CONTRA A VIOLÊNCIA

Gilberto Velho*

Os últimos acontecimentos em São Paulo e em outros estados são a prova definitiva do caos que se instaurou na segurança pública de nosso país. O problema vem de longe e já foi denunciado e analisado por dezenas de cientistas sociais, jornalistas, artistas, intelectuais e pessoas das mais diferentes origens e procedências. O caso de São Paulo é particularmente assustador pois trata-se do estado que, em princípio, disporia de mais recursos em todo o Brasil para enfrentar a criminalidade, tanto pelo efetivo de sua polícia como, também se acreditava, pela sua competência. No entanto, o que tem ocorrido desmente essas crenças e confirma, de modo dramático, o desamparo e vulnerabilidade da sociedade brasileira diante da agressividade das organizações e bandos criminosos. As trocas de acusações entre os governos federal e estadual só ressaltam a inoperância de ambos. As ofensas e trocas de insulto entre políticos demonstram a falta de uma visão que vá além de interesses imediatistas de facções e partidos.
Os números dos ataques criminosos, a paralisação da maior cidade do país, o pânico de sua população e a descrença generalizada no poder público constituem-se em séria ameaça para o próprio regime democrático. A reação dos órgãos de segurança nos últimos dias assume características de vingança e retaliação que nada tem a ver com os princípios de justiça e ordem que são os valores fundadores de uma República democrática. Existe na população, de modo generalizado, o desejo de medidas enérgicas para reverter o quadro geral de violência. Mas isso tem que ser interpretado e conduzido de modo a não agravar ainda mais a deterioração das relações entre as diferentes categorias e grupos sociais no Brasil. Certamente o restabelecimento da ordem não pode significar licença para matar. O número de mortes de supostos criminosos, nas últimas quarenta e oito horas, levanta suspeitas sérias sobre a lucidez e motivações dos responsáveis pela segurança pública. É mais do que sabido que grande parte dos órgãos responsáveis pelo combate à criminalidade estão envolvidos e são mesmo cúmplices de boa parte das atividades ilegais que constituem rotina em nossa sociedade. A carnificina atual assemelha-se mais a guerra entre bandos do que a busca de implementação da ordem e restabelecimento da paz social. Há mais de vinte e cinco anos que essas tragédias se sucedem aumentando, cada vez mais, sua dimensão e gravidade. Episódios sangrentos que desmoralizam a ordem pública já ocorreram, com freqüência, como sabemos, também no Rio de Janeiro e em outros estados do Brasil. Trata-se, indiscutivelmente, de uma questão nacional.
Num ano eleitoral como o que estamos vivendo em que os interesses e ambições políticas se acirram, urge a busca de algum tipo de pacto entre os diferentes candidatos e partidos, sustentados pela sociedade civil para que se chegue a uma grande aliança e entendimento em defesa da própria continuidade de nosso Estado-Nação. As tentativas de diminuir e encobrir a gravidade do que estamos sofrendo devem ser vistas como cumplicidade com a criminalidade em seus diversos níveis. É preciso identificar e denunciar os interesses que impedem a implementação de políticas como a do já existente Plano Nacional de Segurança Pública praticamente engavetado devido a desentendimentos e práticas políticas menores.
Não basta um pacto pela estabilidade econômica. É chegado o momento, já muito tarde aliás, de se fazer um esforço efetivo para juntar sociedade civil e poder público na busca e na efetivação de um projeto de emergência que vá além de medidas pontuais e promessas demagógicas.

*Antropólogo
PUBLICADO EM O GLOBO, 21/05/2006.

Nenhum comentário:

Postar um comentário