terça-feira, 6 de outubro de 2009

RUTH CARDOSO

Gilberto Velho*


Está completando um ano do falecimento da doutora Ruth Cardoso. Era pessoa sóbria e discreta, avessa a homenagens. Portanto, relembrá-la é, sobretudo, sublinhar seus estilo e atitude que são cada vez mais raros em uma sociedade em que o exibicionismo e o auto-elogio são moeda corrente. Vive-se o espetáculo do mau gosto e do oportunismo, em contraste com o trabalho e generosidade de Ruth Cardoso que produziam resultados, sem maiores estrépitos e foguetórios. Como acadêmica, sempre se distinguiu pelo respeito às obras realizadas e, paralelamente, pela curiosidade e estímulo ao novo e à ousadia. Isso não impedia que sustentasse pontos de vista, exercesse a crítica, preocupada com o diálogo em que a civilidade não se opunha à firmeza.
Sempre esteve voltada para questões de política social, sem abrir mão de rigor acadêmico. Orgulhava-se de sua vivência universitária, mas isto jamais a impediu de estar atenta e engajada nas grandes questões políticas, como a resistência contra a ditadura. Estudou e participou de movimentos em defesa de minorias e setores oprimidos da sociedade. Entre outras causas, há que destacar a sua atuação na política de gênero e o seu engajamento nas lutas das mulheres.
Como esposa de presidente da República, reinventou o papel oficial, desempenhando tarefas em que sua condição de cientista social e cidadã engajada contribuiu, decisivamente, para inovações e fortalecimento de políticas sociais. Prosseguiu essas atividades de outras formas, uma vez encerrado o mandato de Fernando Henrique Cardoso. Até sua morte, permanecia atuante, construindo instrumentos para enfrentar a pobreza e a desigualdade social.
Deixou exemplos e lições. Quem a conheceu e acompanhou sua trajetória gostaria que, de algum modo, essa memória permaneça viva, se contrapondo à vulgaridade da corrupção, do imediatismo e da mesquinharia política.


*Antropólogo

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