terça-feira, 6 de outubro de 2009

DESAFIOS DA POLÍTICA CIENTÍFICA

*Gilberto Velho

Novos governos apresentam programas e propõem modificações nos anteriormente existentes. Até aí tudo muito justo e mais do que razoável, principalmente quando os políticos eleitos eram antes oposição, criticando e discordando de ações do governo anterior, muitas vezes de modo bastante vigoroso.
No entanto, vem do próprio governo brasileiro atual declarações que insistem na continuidade de projetos e políticas essenciais para a estabilidade e progresso do país. Trata-se, na realidade, de distinguir políticas de governo e de Estado. Estas, em princípio, deveriam transcender interesses imediatos e justificam-se, a longo prazo, pelos seus objetivos e metas. Nem sempre é fácil distinguí-las e isso leva a polêmicas e divergências inevitáveis.
O atual governo, através do Ministério de Ciência e Tecnologia, tem enfatizado sua preocupação com a descentralização, denunciando a concentração excessiva de recursos no Sudeste, em detrimento, sobretudo, do Norte e do Nordeste. Dificilmente encontraremos alguém na comunidade científica que irá se opor a essa visão. De fato, é fundamental que se abram oportunidades e se estimulem as atividades científicas em todo o país.
No entanto, há uma forte preocupação de grande parte dos cientistas brasileiros com os riscos de pulverizar recursos, mais do que escassos, sem garantias suficientes quanto à qualidade dos projetos apoiados.
Isto deve valer para todo o Brasil e não apenas para as regiões consideradas mais carentes. Mas, cabe lembrar que pesquisadores dos mais respeitáveis do Norte e do Nordeste têm advertido contra os perigos do clientelismo, prática que eles próprios têm combatido no esforço de elevar a qualidade científica da produção local.
Essa ênfase na avaliação do mérito intrínseco dos projetos não deve ser confundida ou rotulada como elitismo, assim como a preocupação com a descentralização não deve ser estigmatizada como populista, sob pena de empobrecimento grave de um debate importante para o futuro da ciência no Brasil.
O que se espera é a busca de um ponto de equilíbrio em que a descentralização seja realizada de modo criterioso, sem prejuízo de importantes programas em andamento que têm, direta ou indiretamente, repercussão positiva para todo o país. Ressalte-se que já existem vários exemplos positivos de intercâmbio e cooperação entre programas de diferentes regiões, pautados por padrões condizentes com a melhor atividade científica.
Esses casos podem se ampliar através de mecanismos de avaliação de mérito e distribuição de recursos que não estejam sujeitos ao predomínio de uma visão política excessivamente pragmática e imediatista. Isto significaria um sério retrocesso na história da ciência no Brasil. Por outro lado, é necessário lutar por mais recursos para a pesquisa científica e tecnológica, sempre sacrificada e relegada à segundo plano nas prioridades dos diferentes governos que se sucedem.
Esse esforço implica, necessariamente, um diálogo franco e constante entre as autoridades governamentais e a comunidade científica, para evitar mal entendidos, desencontros e impasses desgastantes.

*Antropólogo
PUBLICADO EM O GLOBO, 08/09/2003.

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