terça-feira, 6 de outubro de 2009

VIOLÊNCIA E SEGURANÇA PÚBLICA

Gilberto Velho*

O fim do Regime Militar foi um marco na História do Brasil, com conseqüências para toda a sociedade, como a abertura política, o retorno dos exilados, o fim da censura, as eleições diretas e a volta dos militares aos quartéis. Entre nós, os valores democráticos foram sempre frágeis e sujeitos a tempestades, produzindo incontáveis vítimas. Nos períodos assumidamente autoritários o poder público, associado a interesses privados, exerceu a sua força com brutalidade, prendendo, torturando e matando. A violência é característica desta sociedade, desde a Colônia até hoje, mesmo em períodos aparentemente mais pacíficos. A democracia política reinstaurada, não só não apagou essa história, como não controla o crescimento da violência que atinge hoje novos patamares. A democratização não é responsável por esse fenômeno que assume proporções inéditas com um banditismo associado ao tráfico de armas e drogas em escala nacional e internacional. Todo ano morrem assassinados dezenas de milhares, além dos feridos e vitimizados em roubos, assaltos e seqüestros. Pessoas de todos os meios são atacadas, mas o ônus principal é das camadas populares, mais vulneráveis à ação da criminalidade, particularmente, os jovens de sexo masculino que envolvidos em lutas de quadrilhas e confrontos com a polícia, apresentam a maior proporção de vítimas fatais.
A insegurança é assustadora, particularmente, nas cidades. As causas são múltiplas, como desigualdade social, urbanização descontrolada, aspirações de consumo frustradas, dificuldades no mercado de trabalho, falência dos sistemas de saúde e educação, além de conflitos de valores em todos os níveis.
A questão é como enfrentar essa situação com uma sociedade civil desmobilizada, enquanto o poder público demonstra incompetência, constantemente dividido por interesses políticos menores que inviabilizam uma ação coordenada das autoridades federais, estaduais e municipais. Estas, com freqüência, minimizam ou encobrem a gravidade da violência em nome da “imagem do país”. Por mais escandalosos que sejam os episódios, não se identifica uma reação à altura por parte do poder público. Clama-se, de vários modos, para a urgência da implementação de uma política social contínua e abrangente que enfrente a gravidade dos problemas de trabalho, saúde e educação da nação. A pobreza e a frustração social se não explicam todo o potencial de agressividade, certamente são matéria prima fundamental para a sua eclosão.
Urge a reforma dos órgãos de segurança que precisam transformar-se em instrumentos protetores de uma sociedade sofrida, onde cidadãos possam desfrutar de vida compatível com padrões básicos de convivência social. O combate à corrupção e reorganização da polícia são tarefas para o governo federal que, com um desempenho tímido, não assume a responsabilidade de cuidar da segurança e bem estar de todos os brasileiros.
*Antropólogo
PUBLICADO EM O GLOBO, 15/03/2005.

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