terça-feira, 6 de outubro de 2009

À ESPERA DE NOVA TRAGÉDIA

Gilberto Velho*

Vivemos há algumas semanas, por ação criminosa, mais uma crise de grandes proporções no Rio de Janeiro, com violentos conflitos na Rocinha e no Vidigal e repercussões em vários bairros e áreas da cidade. Os episódios, por sua gravidade, com mortos e feridos, prejuízos materiais, fuga de famílias, danos simbólicos e insegurança generalizada, tiveram, durante vários dias, impacto nacional e internacional.
Diante do clamor generalizado, da reação da imprensa e da sociedade civil em geral, pressionou-se o poder público para que assumisse suas responsabilidades e tomasse providências para impedir que se repetisse tragédia semelhante. Havia ficado claro o mau uso de informações, a falta de preparo e coordenação e a fragilidade de órgãos e instituições responsáveis pela segurança pública. Somava-se à falta de um sistema de informações, minimamente eficiente, o uso desmedido da força, confirmando as piores imagens sobre a brutalidade policial. Evidenciou-se, mais uma vez, a vitimização de uma população pobre, tiranizada por bandidos e, freqüentemente, maltratada por policiais. Os bairros e as vizinhanças de classes médias e elites estiveram, por sua vez, expostos à vulnerabilidade e à quebra da ilusão de relativa proteção diante das intempéries sociais e da ação da criminalidade.
Infelizmente, os entendimentos entre os governos federal e estadual não transcorreram como desejava, de modo explícito e claro, a opinião pública. A verdade é que não se sabe muito bem a que entendimento ou desentendimento se chegou. A decisão de utilizar as Forças Armadas para o resgate de armas pesadas, sem a sua presença ostensiva na cidade, poderia ser um passo dentro de um estratégia mais ampla de coordenar esforços nos vários níveis da segurança pública. Poderia ser uma opção dentro de um quadro de entendimento em que outras medidas seriam progressivamente tomadas a partir de uma coordenação central. No entanto, as notícias e boatos que chegam indicam que, efetivamente, não se chegou a um entendimento entre essas esferas do poder público, diante da resistência do Governo do Estado em permitir que estivesse, em algum momento, admitindo não ter controle sobre a segurança pública do Rio de Janeiro. Aparentemente, o Governo Federal desistiu de insistir em montar uma operação em larga escala e a prazo maior, em função das dificuldades e tensões políticas, com os dirigentes fluminenses. Tudo isso está envolvido por uma certa névoa, que a imprensa ainda não conseguiu devassar. As autoridades, por sua vez, provavelmente não chegaram a um acordo sobre o que poderia ser dito à população, deixando-a ainda mais perplexa e insegura.
Assim, apesar de algumas iniciativas da sociedade civil em relação à Rocinha, continuamos aguardando novos episódios inevitáveis de erupção de violência, sem que tenha sido esboçado um sistema capaz de enfrentar a gravidade desse quadro, que já produziu tantas vítimas. Não temos informações suficientes sobre os planos e deliberações do poder público. Não se trata de querer descobrir segredos militares e de planejamento de ações específicas de combate ao banditismo, pois isto poderia ser altamente contraproducente para a eficácia das medidas. Mas o que assusta são sinais de impasse e de falência de diálogo entre as autoridades federais e estaduais. Caso isso se confirme, depois de um período de aparente recuo da violência mais escandalosa, em breve assistiremos e seremos atingidos por novas crises, com mais vítimas e danos, conseqüência deste impasse político que estamos vivendo.
*Antropólogo
PUBLICADO EM O GLOBO, 19/05/2004.

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