terça-feira, 6 de outubro de 2009

VIOLÊNCIA E IMPUNIDADE

Gilberto Velho*



Nos últimos dias a cidade do Rio de Janeiro viveu mais alguns episódios assustadores de violência que se somam a tantos outros nos últimos anos. O novo assalto e a agressão a Marcelo Yuka, o casal sendo arremessado da Avenida Niemeyer, depois de ser seqüestrado e alvo de repetidas agressões, universitários baleados, confirmam que continuamos vivendo uma situação de insegurança e vulnerabilidade.


Não há como desprezar as características individuais que tornam alguns bandidos, especialmente cruéis e sádicos. Pessoas são assaltadas, roubadas, agredidas e, mesmo sem reagir, freqüentemente, são assassinadas com requintes de brutalidade. “Tribunais do crime” podem até atuar contra criminosos que ultrapassem ou quebrem regras do jogo, confirmando o poder exercido pelas redes e gangues de bandidos. No entanto, é preciso enfatizar, mais uma vez, que o fenômeno que estamos enfrentando é o do desenvolvimento incontrolável de uma cultura da violência. Esta é produto da combinação de diversas variáveis, como a desigualdade social, a desordem urbana, a corrupção de órgãos públicos, a ineficiência e cumplicidade de setores da polícia com o próprio crime e a ausência de políticas sociais contínuas e sérias como na escandalosa situação da área da saúde. Por mais que já tenha sido analisado e denunciado, um dos pontos focais, talvez o principal, seja a falência da educação, particularmente a pública. As péssimas condições de trabalho dos professores e a precariedade material produzem um ensino totalmente inadequado para dar um mínimo de esperança e condições de sociabilidade para a maior parte da população pobre do país. No Rio de Janeiro, isto é flagrante e são mais do que conhecidas as histórias de situações que inviabilizam o funcionamento minimamente razoável de escolas de ensino básico e médio.


Não há dúvida de que o que se passa na nossa cidade e no nosso estado depende, em grande parte, do governo federal, da sua incompetência e falta de vontade de empenhar-se com vigor para debelar ou, pelo menos, melhorar situação tão dramática que, entre outras conseqüências, reflete-se na cultura da violência. Esta é fomentada nas favelas, na periferia e nas próprias escolas. Não nos iludamos alocando todos esses problemas às camadas mais pobres da sociedade. Embora estas vivam de modo mais intenso e rotineiro o aprendizado da crueldade na vida cotidiana, também em camadas médias e elites temos múltiplos exemplos, entre jovens, de demonstrações de irresponsabilidade social e indiferença humana. Já são numerosos os episódios de brutalidade exercida por filhos de famílias de quem poderia se esperar um compromisso ético elementar.


Todos os fenômenos na vida social, de alguma maneira, se ligam uns aos outros. É impossível ignorar que a impunidade pública de infratores e criminosos, incluindo políticos e personagens notórios contribui para o quadro geral de descrença dos valores básicos de cidadania. Este fenômeno continua sendo um dos principais desafios para a construção da democracia em nosso país.


* Antropólogo



PUBLICADO EM O GLOBO, 12/03/2009.

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