terça-feira, 6 de outubro de 2009

TERRORISMO URBANO

Gilberto Velho*

Não há como, depois dos episódios do dia 24 de fevereiro, minimizar ou disfarçar a gravidade da situação da segurança pública no Rio de Janeiro, cidade e estado. Os atos de vandalismo e os procedimentos usuais dos criminosos assumem uma nova dimensão a partir do momento em que dezenas de ônibus foram incendiados, bombas foram lançadas em diversos pontos da cidade numa ação explicitamente coordenada por uma liderança que confronta o poder público, desmoralizando e humilhando as autoridades e a própria sociedade civil. Esses fatos dão continuidade e agravam todo um processo de muitos anos que teve no dia 30 de setembro próximo passado um dos seus piores momentos mas que foi superado, inclusive através das diversas vítimas, pelos acontecimentos de ontem.
Não há como eximir o governo federal pela ausência de uma política de segurança pública consistente com o regime democrático. Infelizmente, durante o governo Fernando Henrique muito pouco se fez nessa direção. É urgente que o novo governo assuma uma outra posição e, de fato, inclua essa questão como uma prioridade tão importante quanto o combate à fome e à desigualdade. Desgraçadamente, o Rio de Janeiro aparece como caso- limite de uma problemática nacional mais ampla. O governo do estado confirma a sua incompetência para controlar a violência criminosa e dar a segurança mínima necessária para a vida de uma sociedade civilizada. A prefeitura do Rio de Janeiro, por sua vez, pouco contribui para a tranqüilidade e ordem urbanas, sendo incapaz de se articular com o estado e com outros órgãos, como o Juizado de Menores, para enfrentar o crescente e ameaçador fenômeno da população de rua ligado à miséria e à desigualdade mas também explorado de forma criminosa. Tudo isso se soma para constituir um quadro de grande insegurança, medo e frustração. A ausência de uma política social coordenada entre os vários níveis do poder público já foi denunciada e criticada nas mais diferentes instâncias e por indivíduos e grupos de diferentes posições político-ideológicas. É necessário ultrapassar as mesquinharias das brigas e diferenças entre autoridades para que se possa tentar superar essa crise que, infelizmente, parece não ter limites. Caso isso não aconteça, em breve crescerá a demanda por medidas mais radicais que poderiam até culminar em algum tipo de intervenção no estado do Rio de janeiro. Deve-se tentar evitar isto mas o atual quadro de desmoralização e falta de credibilidade das autoridades estaduais faz-nos pensar que o tempo está se esgotando.



*Antropólogo


PUBLICADO EM O GLOBO, 26/02/2003.

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