terça-feira, 6 de outubro de 2009

A IMAGEM DO EXÉRCITO

Gilberto Velho*

O trágico episódio do Morro da Providência, além da brutal violência que se soma a tantas outras, traz à tona uma questão fundamental para a frágil democracia brasileira – o lugar das Forças Armadas. Não só o Exército, mas a Marinha e a Aeronáutica, ficaram com suas imagens gravemente conspurcadas pela atuação de seus órgãos de segurança durante o regime militar, produto de uma conspiração que uniu setores militares com variados grupos da sociedade civil. O pior nesse período foi a ação desencadeada pelos famosos “setores radicais” que, com o beneplácito de alguns oficiais-generais, permitiram que oficiais de diversas patentes comandassem operações que envolveram seqüestros, tortura e assassinatos. Isto não significa que ignoremos que setores mais radicais de oposição ao regime militar, também possam ter utilizado métodos truculentos e extremamente agressivos. No entanto, os militares de que falamos, utilizaram recursos, instalações, armas e todo um sistema oficial como pano de fundo, para implementar medidas repressivas que ultrapassavam qualquer limite de ética e de civilidade. Sabemos, também, que grande parte do oficialato não foi cúmplice dessas ações e muitos, inclusive, as condenaram. O fato é que além da pressão da sociedade civil e de outros países e agencias internacionais, houve uma reação a partir das próprias Forças Armadas, especialmente no período do Governo Geisel, para controlar as ações violentas que rompiam não só com a democracia, mas com os próprios princípios da hierarquia militar. É, pelo menos, discutível que torturadores e assassinos não tenham sido julgados. Mas há uma série de argumentos em torno da idéia de uma anistia “ampla, geral e irrestrita”.
Com a volta dos governos civis, houve uma lenta e progressiva mudança das atitudes e postura dos representantes das Forças Armadas. Cada vez mais pareceu haver uma nova concepção de suas relações com a sociedade civil e com os valores democráticos em geral. Progressivamente, foi se restabelecendo uma imagem mais positiva e respeitável em que as ações construtivas, filantrópicas, de apoio social, de socorro a emergências e catástrofes, participação em obras de interesse nacional melhoraram significativamente a imagem dos militares perante a opinião pública. Assistimos, inclusive, a significativos gestos de reconciliação e reaproximação com a sociedade civil.
Portanto, uma ação criminosa comandada pro um oficial do Exército, em circunstâncias, no mínimo chocantes, põe em cheque essa imagem lentamente reconstruída. Pergunta-se como é possível haver uma quebra na hierarquia de comando que permite a uma pessoa que está sendo rotulada de “desequilibrada” desencadear um processo tão monstruoso que levou ao massacre e morte de três jovens. Esse argumento já foi utilizado em outros tempos. Não há como tentar disfarçar e dizer que a instituição não foi atingida por uma ação isolada. É necessário que isso seja comprovado de modo exemplar para permitir até que, ao repensar a gravidade da situação de segurança pública no Brasil, possa ser encontrado um lugar adequado para as Forças Armadas.

* Antropólogo

PUBLICADO EM O GLOBO, 30/06/08.

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