terça-feira, 6 de outubro de 2009

A SEGURANÇA COMO PRIORIDADE

Gilberto Velho*

É indiscutível que uma das principais razões para o desgaste do governo Fernando Henrique Cardoso é a grave crise da segurança pública do país. O cotidiano de toda a população, nos últimos anos, ficou cada vez mais afetado pela violência crescente e disseminada. Pessoas de todas as classes e grupos sociais, de um modo ou de outro, sentiram diretamente, ou muito próximo, através de parentes e amigos, a truculência da bandidagem. Sem dúvida, nas classes populares essa experiência de maltrato e sofrimento não é de agora embora muito tenha se agravado recentemente, seja pela ação dos bandidos, seja pela ação de policiais despreparados ou comprometidos com a criminalidade.
No entanto foi, sobretudo, no universo de camadas médias que se desenvolveu um forte sentimento de desilusão quanto à ação do poder público. Frustradas em várias de suas aspirações, como no caso do funcionalismo público e de muitos profissionais liberais, passaram a ver-se também como alvo sistemático da ação dos criminosos. Ninguém se satisfaz com as explicações do Governo Federal quando remete às autoridades estaduais a responsabilidade do enfrentamento da crescente violência. Os possíveis problemas jurídico- legais devem ser superados através de procedimentos democráticos articulando os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Deve-se frisar que os muitos méritos do governo que, ora está se encerrando, ficaram bastante obscurecidos pelo crescimento do sentimento de insegurança, com conseqüente prejuízo da qualidade de vida, principalmente nos grandes centros urbanos.
Espera-se que o novo governo escape desses impasses e armadilhas e consiga, baseado no evidente apoio popular de que dispõe, assumir papel de liderança e centralidade na garantia da segurança pública de toda a sociedade. Preocupa a notícia na imprensa de que importante dirigente do PT estaria “ciente de que o Governo Federal não dispõe de muita margem de influência no combate à criminalidade”. Isso seria desistir antes da hora e cair no mesmo erro do governo que se finda. Urge estar preparado para, desde já, dialogando com os atuais dirigentes, estar em condições de acionar o competente plano de segurança pública apresentado na plataforma do candidato Lula. É claro que essas medidas devem ser consistentes com o conjunto de políticas públicas incluindo-se aí o combate à fome e à miséria. Os governos estaduais que não acompanharem esse projeto como prioridade deverão sofrer restrições e penalidades dentro das regras do jogo democrático. Isso não significa retrocesso nem incentivo a qualquer forma de autoritarismo mas sim o reconhecimento da gravidade de uma situação que afeta a nação como um todo. Portanto, trata-se de responsabilidade intransferível do Governo Federal coordenar e dirigir as providências necessárias e urgentes para recuperação de um mínimo necessário de paz e tranqüilidade para o cotidiano da grande maioria dos brasileiros. É preciso superar a idéia e os preconceitos que tornam a preocupação e a implementação de políticas de segurança pública algo problemático para setores progressistas da vida política nacional. Hoje em dia a luta contra a violência é tão prioritária como o combate à fome que, de modo óbvio, sendo fenômenos diferenciados, apresentam fortes relações. Sabemos que a pobreza e a iniquidade social não explicam, por si só, a violência e a criminalidade. Há que reconhecer suas relações sem esvaziar as especificidades e peculiaridades de sua presença na sociedade brasileira.

* Antropólogo
PUBLICADO EM O GLOBO, 14/11/2002.

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