terça-feira, 6 de outubro de 2009

O FUTURO DA UNIVERSIDADE

Gilberto Velho*

Todas as avaliações sobre a qualidade do ensino universitário brasileiro apontam o melhor desempenho das universidades públicas, refutando constantes tentativas de desqualificação. Há importantes destaques, de outras instituições, sobretudo as PUCs, mas é inegável que a excelência de ensino e pesquisa associados, concentra-se num conjunto de instituições federais, nas estaduais paulistas e em algumas outras como a UERJ.
USP, UNICAMP e UNESP, no estado mais rico do país, mantêm, com algumas variações, um padrão de boa qualidade. Contam com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, uma agência competente academicamente e financeiramente poderosa.
As universidades federais apresentam um quadro mais heterogêneo, mas é inegável a enorme importância científica e acadêmica da antiga Universidade de Brasil (UFRJ) e de outras como Brasília, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Fluminense, Santa Catarina, Paraná, Bahia, Ceará, etc. São discutíveis as vantagens de funcionarem dentro de um único sistema, burocratizante e isonômico, dificultando a inovação e a criatividade que poderiam desenvolver-se ainda mais, através de uma diferenciação responsável e enriquecedora. Mas o fato é que as universidade federais constituem um precioso patrimônio da Nação, que não deve ser desperdiçado e amesquinhado. Há vários problemas crônicos de recursos desde salários até o necessário para a manutenção e renovação mínima das instalações, muitas vezes precárias e decadentes. A atividade de pesquisa depende basicamente do Ministério de Ciência e Tecnologia, que tem sido bastante atuante, embora opere com um orçamento relativamente limitado. A criação dos fundos setoriais, abre, sem dúvida, novas perspectivas. As agências estaduais, fora a mencionada FAPESP, têm, em geral, atuado de modo muito modesto e irregular. Recentemente, no Rio de Janeiro, a FAPERJ, melhorou significativamente o seu desempenho. Em um ou outro estado da Federação, pode-se registrar algum investimento local na pesquisa universitária. A CAPES, do Ministério da Educação, continua sendo uma agência importante, que interage bem com a universidade, destoando, às vezes, do comando do ministério.
Não é possível pensar-se em um projeto nacional, a longo prazo, em que a universidade pública não esteja cada vez mais presente, produzindo conhecimento e formando quadros. Infelizmente, como ficou demonstrado na última greve, o Ministério de Educação não tem sabido lidar com a sua complexidade e importância. Declarações e atitudes preconceituosas, até truculentas, como o corte indiscriminado de salários de docentes e funcionários, acirraram um conflito que poderia ter sido contornado com mais diplomacia e capacidade de negociação. Por outro lado, registre-se o radicalismo de setores do movimento docente, que encaram a universidade como campo propício para o confronto político, apostando, freqüentemente, no impasse. Assim, dois atores, ideologicamente antagônicos, contribuem para agravamento da crise universitária.
É preciso superar este estado de coisas para não cairmos num círculo vicioso de greves intermináveis e retaliações irresponsáveis. A busca de soluções, a longo prazo, passa, fundamentalmente, pela atuação dos professores comprometidos com a docência e a pesquisa. É necessária também a participação de funcionários e alunos que encarem a universidade como patrimônio nacional que pode e deve ser aperfeiçoado e não como locus privilegiado do conflito político. As sociedade científicas como a SBPC, a Academia Brasileira de Ciências, assim como setores interessados e responsáveis da sociedade civil, devem desempenhar papel fundamental neste processo de discussão e aperfeiçoamento. Mas, sobretudo, urge que o Ministério da Educação assuma uma postura mais construtiva e o governo, como um todo, veja a universidade pública como parte importante de um projeto nacional. Não só o ensino de graduação, mas a pós-graduação e as pesquisa, constituem atividades fundamentais das instituições públicas, o que as distingüe da maioria das particulares.
Assim é necessário estabelecer políticas governamentais, de longo prazo, com um mínimo de consistência e coerência e não cair na armadilha do imediatismo e da precipitação. É preciso deter o desgaste e a desmoralização da universidade, que inevitavelmente, revertem contra o Estado e a Nação brasileiros.

* Antropólogo


PUBLICADO EM O GLOBO, 18/12/2001.

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